quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Pelo empoderamento das testemunhas


O ato de ser testemunha de uma situação de violência é um exercício de poder. Frente à violência brutal, tem vezes que a ação que pode ser feita é testemunhar. O testemunho, embora não seja uma forma de intervir no ato da violência, tem o poder de tornar aquela violência conhecida. Recusar o poder do testemunho é colocar um silêncio sobre a situação de violência. Testemunhar é remeter aquela situação de violência, através da fala, para o social, e mostrar que aquela violência não irá passar batido nem será aceita por um pacto de silêncio. E esperar que, a partir do testemunho, algo se produza.

     Entretanto, o ato de testemunhar se configura como um exercício de poder extremamente vulnerável. O ato de testemunhar traz sofrimento. E traz riscos. A testemunha corre o risco de se tornar alvo da agressão. Apesar de potente para desafiar o poder da violência, se posicionar como testemunha traz o risco de se tornar vítima.
É necessário trazer força política para quem assume o papel de testemunha. O ato de testemunhar se torna arriscado e produtor de sofrimento quando ele não é feita de forma consciente e intencional. Frequentemente, quem ocupa o papel de testemunha faz isso não como uma estratégia, mas como uma vítima das circunstâncias, presa na observação daquela situação brutal, impotente, com medo de sofrer represálias e, por significar de modo traumático a experiência, com dificuldade s de falar sobre a situação. As testemunhas frequentemente não estão preparadas para este papel e para assumir o testemunhar como um exercício de poder. Para isso, é necessário dar força política ao testemunho.
A força política do testemunho implica em diversos aspectos. Para o ato de testemunhar ser apropriado como estratégia de transformação política, em vez de como experiência traumática e assustadora, é necessário organizar o testemunhar como estratégia. É necessário educar e formar cidadãos para se apropriarem do testemunhar como estratégia. É preciso pensar estrategicamente o testemunho e desenvolver formas de registrar o acontecimento, de se proteger, de não correr riscos e de como remeter a situação para a dimensão coletiva e possibilitar que se faça algo sobre isso. É preciso superar o medo, e mudar a mentalidade da testemunha de se ver como vítima das circunstâncias para se ver como protagonista de um enfrentamento político. É preciso ir além dos serviços de proteção emergencial à testemunha sob ameaça iminente. E é preciso oferecer suporte e organização política para quem emprega o testemunhar como estratégia para delinear outras estratégias de ação política a nível coletivo.
Em nossa sociedade, o espaço legitimado socialmente para receber testemunhos é o sistema judiciário, que usa o testemunho como forma de gerar provas para sustentar uma medida punitiva endereçada àquele enquadrado como autor de um crime. Não existe um espaço de fala endereçado ao coletivo e que possibilite uma construção política e a reelaboração social da narrativa sobre a violência. O sistema judiciário opera de forma vitimizante - tanto com testemunhas como com vítimas -, cristalizando uma narrativa de vitimização e impotência em relação à violência e tomando medidas geralmente demoradas, verticalizadas, sem diálogo com a elaboração coletiva dessa experiência e estritamente punitivas, sem oferecer nenhuma ação de acolhimento ou empoderamento das testemunhas. O sistema judiciário individualiza, despolitiza e opera em uma lógica punitiva, o que produz um sentimento de impotência em vítimas e testemunhas, e esvazia a possibilidade de encaminhar o testemunho para uma ação política com efeitos no coletivo e na produção de laço social.
Pensar o testemunho como uma estratégia de ação política se faz necessário para romper o silêncio. 
Por  Bruno Graebin

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