O
ato de ser testemunha de uma situação de violência é um exercício de
poder. Frente à violência brutal, tem vezes que a ação que pode ser
feita é testemunhar. O testemunho, embora não seja uma forma de intervir
no ato da violência, tem o poder de tornar aquela violência conhecida.
Recusar o poder do testemunho é colocar um silêncio sobre a situação de
violência. Testemunhar é remeter aquela situação de violência, através
da fala, para o social, e mostrar que aquela violência não irá passar
batido nem será aceita por um pacto de silêncio. E esperar que, a partir
do testemunho, algo se produza.
Entretanto, o ato de testemunhar se configura como um exercício de
poder extremamente vulnerável. O ato de testemunhar traz sofrimento. E
traz riscos. A testemunha corre o risco de se tornar alvo da agressão.
Apesar de potente para desafiar o poder da violência, se posicionar como
testemunha traz o risco de se tornar vítima.
É
necessário trazer força política para quem assume o papel de
testemunha. O ato de testemunhar se torna arriscado e produtor de
sofrimento quando ele não é feita de forma consciente e intencional.
Frequentemente, quem ocupa o papel de testemunha faz isso não como uma
estratégia, mas como uma vítima das circunstâncias, presa na observação
daquela situação brutal, impotente, com medo de sofrer represálias e,
por significar de modo traumático a experiência, com dificuldade s de
falar sobre a situação. As testemunhas frequentemente não estão
preparadas para este papel e para assumir o testemunhar como um
exercício de poder. Para isso, é necessário dar força política ao
testemunho.
A
força política do testemunho implica em diversos aspectos. Para o ato
de testemunhar ser apropriado como estratégia de transformação política,
em vez de como experiência traumática e assustadora, é necessário
organizar o testemunhar como estratégia. É necessário educar e formar
cidadãos para se apropriarem do testemunhar como estratégia. É preciso
pensar estrategicamente o testemunho e desenvolver formas de registrar o
acontecimento, de se proteger, de não correr riscos e de como remeter a
situação para a dimensão coletiva e possibilitar que se faça algo sobre
isso. É preciso superar o medo, e mudar a mentalidade da testemunha de
se ver como vítima das circunstâncias para se ver como protagonista de
um enfrentamento político. É preciso ir além dos serviços de proteção
emergencial à testemunha sob ameaça iminente. E é preciso oferecer
suporte e organização política para quem emprega o testemunhar como
estratégia para delinear outras estratégias de ação política a nível
coletivo.
Em
nossa sociedade, o espaço legitimado socialmente para receber
testemunhos é o sistema judiciário, que usa o testemunho como forma de
gerar provas para sustentar uma medida punitiva endereçada àquele
enquadrado como autor de um crime. Não existe um espaço de fala
endereçado ao coletivo e que possibilite uma construção política e a
reelaboração social da narrativa sobre a violência. O sistema judiciário
opera de forma vitimizante - tanto com testemunhas como com vítimas -,
cristalizando uma narrativa de vitimização e impotência em relação à
violência e tomando medidas geralmente demoradas, verticalizadas, sem
diálogo com a elaboração coletiva dessa experiência e estritamente
punitivas, sem oferecer nenhuma ação de acolhimento ou empoderamento das
testemunhas. O sistema judiciário individualiza, despolitiza e opera em
uma lógica punitiva, o que produz um sentimento de impotência em
vítimas e testemunhas, e esvazia a possibilidade de encaminhar o
testemunho para uma ação política com efeitos no coletivo e na produção
de laço social.
Pensar o testemunho como uma estratégia de ação política se faz necessário para romper o silêncio.
Por Bruno Graebin
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