quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Tarde no sanatório

Dia desses fui ao CDQUIM (Centro de Dependência Química), localizado no Hospital Parque Belém. Chegando lá se vê um prédio muito bem estruturado mas com características um tanto quanto antigas. Indaguei-me sobre como um hospital daquele porte é construído em um local tão distante do centro da cidade. “Curiosiei”. Fui perguntando para algumas pessoas e descobri que esse hospital funcionava inicialmente como um sanatório, ou seja, um local para onde os doentes de tuberculose eram enviados para fazer tratamento intensivo. É interessante a sua localização: Zona Sul da Capital, bairro Belém Velho, antigamente o que poderia se chamar de “zona rural”. Justificava-se por ser lugar onde os atacados pela “tísica” poderiam se privilegiar dos ares e do contato com a natureza. Mas eu me pergunto se não era justamente em regiões isoladas que os leprosários eram construídos? E que depois passaram a comportar outro público, a saber, os doentes mentais. Fiquei pensando na expressão “doido varrido”, se ela não carrega uma ideia de alguém que é varrido para um outro lugar, alhures...
Pois bem, esse sanatório transformou-se em um hospital e que tem um centro psiquiátrico voltado para dependentes químicos. CDQUIM.
Vou andando por dentro do hospital, até chegar do outro lado, pátio dos fundos, espaço bastante amplo e arborizado. Muito me lembra um manicômio, mas vá lá. Caminho por uma alameda que costeia o prédio e então faço uma curva que desemboca em uma escada acimentada.  No final da escada, uma porta. Entro em uma sala na qual há uma moça nada simpática (ao menos naquele momento). Pergunto sobre a internação psiquiátrica e ela me mostra onde fica a entrada. Vai parecer clichê, mas sim, há um corredor. No final deste deparo-me com um portão de ferro que se assemelha com o de uma prisão. Tem um cadeado e uma grossa corrente. No portão há um enfermeiro (acredito que o fosse por estar vestindo um jaleco branco) com cara de “poucos amigos”. Dou um sorrisinho vexado, seguido de um “boa-tarde!”, mais na tentativa de dizer a ele que estava tudo bem para mim. Em resposta recebo um olhar ainda duro, que para mim queria dizer: “estás entrando em uma ala psiquiátrica! Não há lugar para humor, sobretudo porque há loucos”. Trancou o cadeado às minhas costas e fui adentrando o recinto, pensando naquele sorriso que não veio.
Então, mais uma escadaria. Dois lances de escada para um subterrâneo ainda mais recôndito do que o que eu sequer podia imaginar. Ao descer encontro pacientes bastante simpáticos que vem cumprimentar-me. Vejo que toda essa parte do hospital é gradeada, algo característico dos manicômios e das alas psiquiátricas. (De) que(m) se protege(m)? Por que tantas grades? Existe um temor de fuga? Um medo de agressão por parte do paciente “psiquiátrico”? Ou as grades continuam ali porque ninguém questionou a sua existência? Dei-me conta, já faz algum tempo, de que toda internação psiquiátrica tem esse elemento presente. Mas acho que há uma resposta para as minhas perguntas: há uma aura de periculosidade que circunda o paciente da psiquiatria que está ligado a ideia de loucura. Se alguém é louco logo é perigoso, uma vez que não responde por seus atos. O olhar do enfermeiro já me dizia: cuidado, estás entrando numa ala psiquiátrica.
Saio de lá para uma tarde ensolarada, um dia leve, mas com um peso no coração: até quando manteremos pessoas em regime de exclusão? Até quando o sofrimento psíquico será tratado como anormalidade, como marginalidade? Quanto tempo veremos pessoas serem objeto de uma brutalidade dessas, quando nós não damos conta das suas singularidades?

Por Letícia Campos

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