Saudações antimanicomiais!
Esta carta vem de Porto Alegre-RS. Somos o coletivo Desencadeia, grupo
criado no ano de 2011, sendo que boa parte desse grupo participou da
organização do I ENEAMA em 2010.
Este ano não poderemos estar
presentes neste lindo movimento que é o ENEAMA, pelo menos em presença
em corpo, mas resolvemos escrever essa carta para mostrar o apoio e
sintonia que temos com o evento com o que ele se propõe. Nosso movimento
surge do encontro das inquietações que emergem do trabalhar com saúde
mental em uma sociedade onde o sujeito em sua diferença é tratado com
exclusões, abandonos e com contenções compulsórias. É fato que vivemos
outros tempos, que os mecanismos de controle dos corpos e das mentes são
muito mais sutis e ampliados, não se restringindo apenas aos acometidos
daquilo que o capital insiste em enunciar como “doença mental”,
“desrazão”, mas sim, como nos mostra Foucault, tomando como alvo de seus
investimentos a vida “normal”, produzindo isso que se chama de “normal”
e deixando a margem tudo que destoe dessa forma de vivenciar o mundo.
Há muito ainda o que fazer...e é ai que nós entramos, somos resistência,
somos desejos de mudança, somos sujeitos de outra ética, outras
práticas.
O ENEAMA é um movimento tomado de afetos - do ponto
de vista Spinoziano, afetos alegres. Afetar-se positivamente pelo
encontro com o outro de maneira que tal encontro nos potencialize
enquanto sujeitos de ação. Se no dia-a-dia de nossas vivências
encontramos muitos afetos tristes - que minam a nossa potência - o
ENEAMA é o nosso momento de recarregar as baterias ao máximo, de
produzir juntos outras formas, outras idéias, de ativar essa outra ética
que carregamos conosco. O Coletivo Desencadeia surgiu da potência do I
ENEAMA, no encontro da luta antimanicomial com o abolicionismo penal, e
no enfrentamento das lógicas da segregação e do castigo. É graças às
utopias compartilhadas no I ENEAMA que fortalecemos nossa militância, e
queremos de alguma forma refletir ao coletivo as forças que ganhamos.
Em 2010 cantávamos “trancar não é tratar” e isso ecoava em nossas
práticas, seja subvertendo, através do Acompanhamento Terapêutico, o
modelo tradicional da clínica e seu setting, ou participado das diversas
reuniões de trabalho e conselhos fazendo tensão ao modelo
hospitalocêntrico. O pensamento antimanicomial nos levava, ainda que
sofrendo sabotagens, a problematizar os efeitos da institucionalização e
a argumentar em nome do tratamento na rede e o quanto o simples estar
em grupo, assim sem desígnio de função mesmo, permite ao sujeito se ver
no outro, se identificar com a situação alheia. O grupo possibilita que
se de ouvidos à voz daqueles que foram por tanto tempo silenciados atrás
de seus diagnósticos e suas medicações, permite reconhecer que estes
são sujeitos que possuem um saber sobre si, desfazendo a situação de
objeto, fundamento do manicômio.
Se em 2010 os efeitos do
ENEAMA foram de mobilização em 2011 a experiência foi de reflexão, pois
vimos nosso movimento enfraquecido pelas dificuldades de articulações
(e-mails parados, quorum baixíssimo, pouco apoio das instituições...).
Vimos umas poucas pessoas comporem uma organização que deu tudo que
tinha para manter o movimento, mas esbarrando nas suas próprias
limitações (ele(a)s já merecem parabéns só pela coragem de encarar uma
organização em numero tão pequeno) e voltamos para Porto Alegre pensando
que o movimento estava se desfazendo em meio as demandas
universitárias, mas ai nos demos conta de que o movimento não estava se
desfazendo, mas apenas se reorganizando, agindo no micropolitico
(afinal, nós mesmos não estávamos criando um novo movimento derivado das
questões antimanicomiais?). Este ano infelizmente não conseguiremos
enviar nenhum dos nossos para o encontro, mas certamente estamos aí com
vocês, pois a luta antimanicomial não é de um grupo, de um lugar ou de
um tempo, nem mesmo de uma fala, é sim, como diria Foucault, “algo que
nos precede” e quando um antimanicomial se manifesta é como se todos
falassem através deste. Sendo assim, saibam que Porto Alegre esta com
vocês e vocês estão em nós.
Se antes gritávamos: “Livremo-nos dos manicômios”
Hoje respondemos: “Livremo-nos de todas as prisões”
Parabéns a sede de Minas Gerais e bom encontro a todos!
Coletivo Desencadeia
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